domingo, 28 de outubro de 2018

No perímetro da morte


Parece-me bem que a vida

dê as suas voltas

para encaixar no perímetro da morte.



O mestre sabe que os cálculos

entre uma e outra distância

não trazem números inteiros

mas valores arredondados.



E se as sequências ditam

resultados variáveis

que a memória armazena

ou com destreza remove,

talvez  os sonhos garantam

um valor acrescentado. 



Deus tira a prova dos nove.

Maria da Fonte


quinta-feira, 9 de agosto de 2018


Ao meu chapéu de aba larga,
regresso sempre que posso,
sem o ajuste das tranças
e o adivinhar do esboço.

Baloiço no fio das horas
e no cheiro longo dos dias.
Levo das manhãs a alma,
e do vento a teimosia.


Maria da Fonte
Imagem retirada da internet





quarta-feira, 18 de julho de 2018

Deixa-me morar fora das varandas



Não me empurres as palavras com os dedos,
nem me acordes com os olhos da tua rua.
Deixa-me morar fora das varandas
e ajeitar dentro de mim o coração.

Não te queiras refém das minhas mágoas,
nem te deixes adormecer nos meus medos.

E se alguém te disser que o tempo é certo
e que as horas cabem em qualquer segredo,
não acredites.

Tu sabes que as tardes têm formas

onde só, de vez em quando, nós cabemos.

Maria da Fonte

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Tac tac tac tac




nas costas da minha mão.
Não é relógio de pulso
nem  bater de coração.
É a máquina, é a linha,
é a voz do meu patrão.

Tac tac tac tac
mais à frente , mais atrás.
Os olhos como faúlhas,
cose que cose, rapaz.

 Tac tac tac tac
já tenho as pernas cansadas.
 Os moldes ficam tão alto,
subo e desço escadas.

Tac tac tac tac
feito um moinho de vento.
Faz-me poeira dos dedos
e nuvem do pensamento.

Tac tac tac tac
abaixo do coração,
onde cabia escondido
mais um pedaço de pão.


Tac tac tac tac
podia ser uma bola
e a baliza esta máquina
que me cose a camisola.

Tac tac tac tac
Tac tac tac tac
Tac tac tac tac
vai batendo sempre, sempre,
como o sol que aqui nasce 
e morre no ocidente.

Maria da Fonte

sexta-feira, 8 de junho de 2018

O mundo é de quem foi capaz de o encher



Pode ser que a noite me disfarce
o olhar e me abra o punho da revolta.

Pois que, no ar cansado da luz, o corpo arrefece.

E, até que o dia se volte a acender,
há tempo para debulhar histórias
e prosseguir até ao ponto mais frio do medo.


O mundo é de quem foi capaz de o encher.

Maria da Fonte



domingo, 3 de junho de 2018




Primeiro, o impossível procurei-o
no perfil das nuvens de algodão.

Sabia o céu de cor.

Depois, o dia envelheceu
e as noites pesavam como chumbo.

A imensidão do mundo é maior,
na minha oblíqua inquietação.

Maria da Fonte

terça-feira, 22 de maio de 2018



Sacudo o vento das mãos, limpo
as sombras dos pés, alago
os olhos de artérias
e o coração de marés.

E que haja mar à minha frente e
um barco que o desmonte, que eu
tenho sonhos e mãos
que agarrem o horizonte!

Maria da fonte

quinta-feira, 29 de março de 2018




Moldas o silêncio das sombras até ao último
sopro do verão.
Ergues a voz rente ao precipício
e qualquer nuvem te levanta do chão.

Ajustas os braços ao destino, mordes
 temporariamente a ilustração.

E eu?

Encalham-me as palavras em quase tudo
e devagar
encolho-me de novo,
pois que o teu voo é a única oração.


Que caiba o teu corpo na geometria do vento.
Mas o peso da consciência, nunca.

NÃO!



Maria da Fonte
Imagem retirada da internet



sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018


De repente,
outro nome me nasce nos teus dentes
e nos teus dedos reparto-me pelo mundo.

É no adejar dos teus braços que me excedo
e com um punhado de beijos
que me arrumo.

Maria da Fonte
Imagem retirada da Internet

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018


Posiciono-me no vértice do pensamento,
procuro comodamente posição.

Cerro o olhar e deixo-me cair,

sem coordenadas,


até ao coração.


Maria da Fonte
Imagem retirada da Internet

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

À noite o tempo tem mais pressa



Um rasgo de mão e acrescentas
um qualquer pormenor ao vaguear.

(À noite o tempo tem mais pressa,
as sombras vestem agasalhos.)

Um rosto espera por ti
e tu desenhas-te sorrateiramente no olhar.

Em fila os dedos guardam novos rumos.

Deixas-te descer pontualmente,
resgatas-te, depois, em cada corrente de ar.

Maria da Fonte

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018


De cima, as curvas dos ratos escondem
figuras de gente. Com efeitos laterais,
nunca visíveis de frente.

Na construção da imagem,
a obra engana o olhar.
Um rato desaparece, outro surge em seu lugar.

Um jeito dado à tela,
e os pequenos roedores, das tocas onde procriam,
emergem aos corredores.

No baloiçar da moldura para um e outro lado,
percebem-se leves traços
de um peito meio inchado.

Estendem-se depois os efeitos do centro
até às beiras e os ratos pincelados
criam famílias inteiras.

E se a tela não cair ,entre uma e outra pista,
detalhes mostram que os ratos
comem a mão do artista.

Maria da Fonte