domingo, 31 de janeiro de 2021

 


Ao fim da minha rua

há um violino de peito maciço e ancas largas.

Pela madrugada brinda-nos com Bach,

às oito da manhã afina as cordas.

 

Depois há musical em digressão.

Pregas vocais abertas como arcadas, homens de bocas disformes

às janelas, mulheres em varandas desgrenhadas.

 

No quarto andar, em jeito de soprano,

há pelas cadeiras toalhas e um tacho.

Da janela guilhotina, com ares de bilheteira,

sai um penálti em barítono

e um baixo.

 

Em ponto, um som metálico e fumarento

e o trecho de um bacalhau à brás.

Em ré, uma corda descontrolada

e a silhueta agoirenta de um rapaz.

 

Soltam-se as vozes.

Nessa hora, cai o pano. As notas musicais

saem de cor.

O violino aveludado jaz sem formas.

 

O barítono, pela madrugada, em sol maior.

 

 Maria da Fonte