quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020



Mulher é desdobrável.
É verdade, Adélia.
É verdade.

Hoje encontrei umas quantas
amachucadas em cabos de vassouras,
e, quando estiquei a mão
para as recolher,
elas repeliram o gesto.

Arriscavam o tiro certeiro.
Já tinham treinado a união de borboleta
entre a fábrica e o mercado,
 o estendal e o canteiro.

Não era, Adélia. Não era protesto
(tu nunca estiveste enganada),
nem sequer falta de jeito.


É esta forma mansa que elas têm
(penso eu)
de aconchegar a razão junto ao peito
sem que ninguém dê por nada…

Ou de pensarem que assim
chegam mais depressa ao céu.


 Maria da Fonte


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020



Puxa-se o lustro à forma,
cria-se um jeito latente,
molda-se o corpo de retas
e afina-se cada corda
até ao ponto estridente.

Faz-se um herói outra vez,
com outros ingredientes.

Uma embalagem pequena
mais um código de barras,
com um gatilho nas mãos
e balas presas nos dentes.

Maria da Fonte
Imagem da internet



sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Na folha pálida
pouso as linhas largas
sem o rigor de tudo o que é suposto,
e de improviso deixo cair os traços,
como se fossem riscos em cascata
ou rugas soltas pendentes do teu rosto.

Depois, avó, entorno as tintas todas
na mancha branca que ainda me couber,
puxo o teu cheiro manso com as mãos,
procuro avidamente a tua voz
e abro uma frincha de luz
para te ver.