domingo, 8 de outubro de 2023

 



Eram oito em ponto da manhã,

eu circundava um autocarro na central.

O jardineiro de minha mãe (belo galã!)

rumava sem aviso à capital.

 

Tinha-me dito um dia, aborrecido,

ao dividir seis dentes de leão,

que já os tinha contado e dividido

oitenta vezes pelos dedos da mão.

 

 

Não suportava as contas matinais

que minha mãe, ao rubro, lhe pedia.

Que era melhor ciências naturais,

depois, e só depois, biologia.

 

Vi de soslaio fugir a empregada

aos encontrões e gritos entre a gente.

Que era formada e mais do que formada,

que minha tia a corrigia sempre.

 

 

Acutilada, também eu relembrei

aqueles longos anos sem aumento,

o pão de ló roubado a minha mãe

e o acesso direto ao parlamento.

 

Impaciente, comprei o meu bilhete.

Imaginei os dois em estado bruto.

Eu alojado num qualquer palacete,

eles a ler num qualquer viaduto.

 

 

E já com tiques altivos do poder,

lá fomos nós então de boa fé.

Eu estendia o contrato para ler,

e encobria ao de leve o rodapé.


Maria da Fonte