domingo, 13 de outubro de 2024

 



Quando eu morrer, Cecília,

talvez os galos não cantem mais à minha volta,

talvez não haja brisa, nem mãos delicadas,

que já não é moderno,

só pilares de cimento e frases largadas

de valas, pedras, pó, pás

e larvas na boca.

 

Quando eu morrer, Cecília,

não quero as mãos cruzadas no peito,

um sorriso de seda

e um vestido de roda bordado inglês,

antes uma tigela de marmelada na boca

a desafiar as formigas,

um pregão nos olhos

e as mãos soltas

para coçar os pés.

 

 

Quando eu morrer, Cecília,

diz-lhes que não precisam de me medir os quadris

para ajustar o tecido.

Lembra-lhes ainda, Cecília,

(talvez eles não tenham dado por isso)

que eu morri tanta vez

dentro do mesmo vestido.

 

 Maria da Fonte

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