
Minha mãe chegou na primavera,
não suportava , por isso,
variações de temperatura.
Havia mulheres que lhe falavam
de El Niño, como se houvesse
entre elas e Deus um compromisso.
Minha mãe chorava, insegura.
Talvez lhe deixassem no lugar das veias
traços indisciplinados
de uma outra aventura.
De asas no ar, voava
atormentada.
E de nada valia a voz mansa
com que meu pai a afagava.
Depois, pousava os olhos no chão
e desenhava ideias secretas
que cheiravam a uma eterna
tempestade.
Auscultava o ventre
dilatado da terra e tinha enjoos.
Ouvia o rebentar das ondas
e segurava as lágrimas.
Ninguém entendia
a dor de minha mãe.
Se as estações do ano eram rotativas,
por que razão suspendia ela o tempo?
Mas… passaram-se nove meses,
e minha mãe, com o seu jeito meigo,
foi derrubando muros
e voando, a medo, pelas quatro estações.
Hoje, eu sei que, no meu bando,
se alguém não tiver asas nunca cai,
voa mais baixo por entre corações.
Maria da Fonte
APPACDM de Setúbal- terceiro prémio