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Mas a quem interessaria tão trivial episódio? Agora, visto pela fenda do tempo, a anos de distância, até ela ria copiosamente cada vez que a brisa quente da tarde lhe servia mais uma lembrança. Tinha que as gravar na folha que depositara no colo. Era um compromisso que havia assumido e ela não era mulher de faltar às suas obrigações. Mas um romance qualquer, não. Não suportava os reflexos do rosa cálido que todas as histórias de amor envergavam como se fossem vestidos de verdade. Ela sabia que no amor todas as cores coabitavam, cada uma tinha o seu tempo de brilhar. Essa coisa de o rosa se sobrepor anos a fio era muito discutível. Recusava-se a falar do seu amor à sombra de um raio de ilusão tão ofuscante e tão apaixonado. E eu, caríssimo leitor, sem o querer desiludir, não é de facto essa a minha pretensão, chego a dar comigo a acenar a cabeça em sinal de consentimento. Iluda-se quem pensa que o amor é eterno! Não se enfureça, companheiro. Nem ouse abandonar a carruagem e deixar-me aqui a falar com os botões. Mas, francamente, uma das qualidades que ainda me resta é a frontalidade. Só uma?! Acha pouco? Bem, eu até tinha muitas mais. Vá, para falar a verdade, duas e meia. Foram penhoradas…É uma história que, digo-lhe, dava pano para mangas. Nem queira saber. O melhor mesmo é voltar novamente à primeira. Espere! Parece que perdi o fio à meada… Engana-se! Vem-me agora com essa coisa das prolepses. Essa agora, eu lá pretendo ser protagonista desta história. Que disparate! É ela, a tal senhora que encontrei na rocha (lembra-se?), de memória em riste e lápis afiado. Essa, sim. Ficou de registar na folha que o neto lhe havia oferecido todos os passos coloridos que dera em direção ao altar.
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Maria da Fonte
Este excerto faz parte de um conto, da minha autoria, que integra uma coletânea.