terça-feira, 25 de novembro de 2025

 

À noite,

escorrem-me pelas paredes

pensamentos carregados de pelo,

orelhas pontiagudas

e finas membranas entre os dedos.

 

À noite,

ombro a ombro comigo,

quando nem o coração

enche o meu quarto vazio.


 Maria da Fonte

sábado, 15 de novembro de 2025

 

 

Não importa à liberdade

o peso da tua roupa,

a tempestade da voz,

ou o olhar visceral.

 

Que a liberdade não traz

os números de uma balança,

nem o veludo das formas,

nem lâminas luminosas,

nem ouvidos de metal.

Maria Da Fonte

Monumento à Liberdade, de Jorge Vieira



sexta-feira, 14 de novembro de 2025

 

Para a velhice,

fiz os pássaros mais rasos.

 

Sou quase nuvem,

e há quem diga por aí que agora

só preciso de erguer uma gaiola.


Maria da Fonte

sábado, 11 de outubro de 2025

 


 

Há saudades que ali ficam,
presas às tintas do muro.

São beijos cheios de frio
que anoitecem como bússolas
e moram dentro de tudo.

Há saudades que nos chamam
e nos param de repente,

que chegam como um combate
sem contornos definidos
e nos moldam lentamente.

 

Maria da Fonte

terça-feira, 29 de julho de 2025

 


                                                 

Quando eu nasci, as manhãs chegavam,

sem o estudo do mercado,

com as horas fermentadas

e sabor a feijão branco.

 

Quando eu nasci, a voz de minha mãe

subia a passo firme

pelas janelas

e o céu andava sempre pelos telhados.

 

 

Depois, chegaram os outros

e alguém se lembrou

de me dizer que a terra vacilava

e o sol nem se movia.

 

 

Foi então que eu, já tão morta de cansaço

e já tão desgovernada,

saí sozinha de casa

e caí na poesia.

 

 Maria da Fonte

terça-feira, 22 de julho de 2025

 


Resolveram acabar com a guerra,

já não havia meninos para matar.

 

Os homens de palavra

abriram os braços

com água macia entre os dedos

(para lavar as páginas dos jornais)

 

e os soldados partira sem destino,

com a farda puída de cansaço

e o sonho curvado ao gatilho.


Maria da Fonte