sexta-feira, 4 de setembro de 2020

 


Se o coração soubesse

que o poema me deixa sem chão,

que os olhos me fogem

e as horas rebolam

sem fauna ou flora.

 

Se o coração soubesse

que os dias me queimam

nas costuras das mãos

e a pele desprende

dos dedos de corda.

 

Se o coração soubesse,

parava-me agora.

 

Maria da Fonte

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

 

Dê palpites sobre a linha,

o padrão e a textura,

o clima, se quiser.

 

Até à última prova,

proteste o ponto corrido,

o decote do vestido

e o forro, quando o tiver.

 

Ponha defeitos em tudo,

a cambraia, a seda pura,

a viscose mal cosida

e o fio curto a prender.

 

Trace o tamanho do pano,

a roda larga ao vestido,

o rodopio do vento

sem uma fibra sequer.

 

Que, ainda que não permita,

há quem num pano de pó

abafe por completo

as pernas de uma mulher.


Maria da Fonte

Imagem retirada da internet