quinta-feira, 7 de maio de 2015

A uma das tantas tias que conheço.



Porque deixou a jeito o seu casaco
Do mais puro grife que há no mercado,
Olhei-o de viés, maravilhado.
Que medonho!
(Eu afagava a mancha do sovaco.)

Montanhas de graça, e ela ria
Vertiginosamente do pobrezinho.
Gesticulava, indignada, a outra tia.
(E eu escondia, irado, o colarinho.)

Tinha vinte anos, garanto. Que beleza!
Talvez fosse ela da tal porcelana
Que minha mãe sonhava em pôr na mesa.
(E eu que só queria amor e uma cabana.)

As calças repuxadas ao umbigo,
Nem vestígios de miolo na cintura.
Imaginei um banquete e um abrigo.
(E eu…que dentes! de tanta côdea dura.)

Ouvi, por certo, chamar-me seu criado,
Lábios carnudos e sons bem guturais.
Crescia em mim um frio tresloucado.
(E eu… tão pouca roupa, ou corpo a mais.)

Sem mais demora, estendi-me ali no chão,
Fiz-me criado em mesa de jantar.
Ela trincava a côdea do meu pão.
(E eu, a medo, sugava o caviar.)

Chamou-me possidónio, eu sorri,
Por não saber ao certo o que dizia.
Talvez fosse a ementa que trazia.
(E eu pensava no prato que comi)

Milho transgénico, não era. Ela que diga
Como era boa a côdea que lhe dei.
Já o caviar, ai tia de uma figa!
(Eu não morri, mas bem morto fiquei.)

Maria da Fonte