quarta-feira, 17 de julho de 2013

Revés




Os livros não gostavam do seu quarto,
talvez temessem as águas turvas das linhas da mão
ou os trilhos calejados dos montes.
Nunca partilhara o travesseiro de palha com as letras.
Sabia que o pai não suportava o feixe de pernas dos irmãos
e as letras também tinham pernas.

Pudesse ao menos dividir o silêncio
com uma dezena de palavras e erguer na piedosa noite
a sua aldeia, voar por entre as frinchas dos lençóis,
estender o desejo nas nuvens e dormitar ao lado
das estrelas!

Acordava, porém, de madrugada com o bafo
aterrador da noite.
As paredes do sonho demoliam,
as palavras morriam uma a uma,
as lágrimas engoliam a aldeia
e as pálpebras abafavam a dor.



Caía de rompante nos lençóis e voltava a levantar
a primeira pedra.
Pediu um passaporte para o céu,
nunca lhe trouxeram o visto.
Olhava obstinado a fronteira da sorte
e perguntava-se:
como se abrem as portas ao sonho?


Maria da Fonte
Imagem retirada da internet