terça-feira, 24 de abril de 2012

Abril


Se fecho os olhos,
Vejo as cores de Abril,
Serpenteando
As chamas da esperança
E aquele ousado
Orgulho em mim emerge,
Tal euforia
Nos passos de uma dança.





Se ouço o silêncio,
Tudo é melodia,
E a voz do povo
Soa-me cadente,
Acorda em mim
A fé daquele dia,
Embalo o sonho
Ao som de tanta gente.

Mas
Se desperto,
Tudo é utopia
E aquela Grândola
Soa-me distante.
A voz do povo,
Que a dormir ouvia,
Esvai-se em choro
Dolente, constante.

Maria da Fonte
petrinus.com.sapo.pt


domingo, 22 de abril de 2012

Poeta


Ruminava há anos uma estratégia para se livrar da morte. É que isto de morrer tem que se lhe diga, e o melhor mesmo é fintá-la ao primeiro ensejo. Era com estes pensamentos mágicos que os Poeta, assim lhe chamavam no lugar da Farrapa, enxotava o medo que lhe varria a razão. Em momentos de maior loucura, chegara mesmo a afirmar que esse medo que o acompanhava nas deambulações pela aldeia era o seu cão de caça, que tinha cá um faro, capaz de sentir a quilómetros de distância o odor mortífero das presas que se espatifavam no chão com um tiro certeiro do criador.
Quem não gostava nada de o ouvir com estas conversas, era a gente da terra. Sempre que passava pelos caminhos, entregue a grandes monólogos, tinha que se sujeitar ao assobio das crianças, quando não chegava uma ou outra pedrada mais ousada para lhe calar a boca, e aos desbaratos de um ou outro morador que naquele dia se achava menos pachorrento.
- Já vens, ó excomungado! Que andas por aí a dizer? Olha que o Pai está lá em cima a tomar conta das barbaridades que atiras por essa boca fora.
- Não me tira o sono, está descansado. Não faço contas de me cruzar com ele- e continuava o caminho, agora silenciosamente. Talvez tivesse pena das palavras que cuspira agressivamente para calar a boca daquele atrevido. Talvez sentisse inveja das magras ideias, assentes em pilar nenhum, que edificavam aquele dizer tão simples e tão genuíno. Afinal, tinha a certeza de que para lá do que o que os seus olhos viam era o escuro absoluto, o silêncio gelado do remate da vida. Esta convicção tornava-se indestronável, esta sombra, como um delinquente, perseguia-o.
Entrava num pequeno casebre que o seu pai lhe deixara e, numa ambição descomunal de se tornar eterno, vomitava para o papel tudo o que lhe consumia a alma. Depois, mais aliviado, dizia: « se me levarem o corpo é o de menos».
Só os seus textos poderiam trazer-lhe o tal céu de que a sua gente falava, só a eles confessava a sua dor, o seu ânimo, a esperança de nunca morrer.

Maria da Fonte
carla.santin.blog.uol.com.br

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O meu rio


O meu rio vem descendo
O horizonte
Como quem chega
Em passo nupcial.
Saúda gente, montes,
Vales, prados, fontes…
Enfim, traz-me de volta
Portugal.





O meu rio corre limpo
Pelas colinas
Como quem anda
No seu cavalo alado.
Traz-me de volta
As águas cristalinas
E o pulsar do meu
País roubado.

O meu rio desagua no rosto
De cada olhar plantado
No seu leito.
Embate na verdade,
É deposto
E o meu sonho,
Quebrado,
Cai desfeito.

Maria da Fonte
o-blog-verde.blogs.sapo.pt




sábado, 14 de abril de 2012

Não levem sapatos altos













Há dias em que saí de casa de carteira bem recheada. Tinha que me sentir preparada para enxotar uma ou outra tristeza mais atrevida que ousasse bater -me à porta. Não entendem? Bem, a mim parece-me mais que se estão a fazer de desentendidas. Sim, desentendidas! Não fossem vocês mulheres e eu até podia acreditar na vossa ingenuidade, mas sabem como é, vestimos todas a mesma pele de cordeiro e pelo caminho lá vamos fintando uns quantos. Cá eu é só cerrar um bocadinho as cortinas, pintar um sorriso mais amarelo, fazer alguma pressão nas cordas vocais, inclinar ligeiramente a cabeça para a frente e sai tudo na perfeição. Deambulo um bocadinho pela casa, até que toda esta tristeza seja encontrada e me dite um dia magnífico. Outra vez? Eu não sei onde está a confusão? Vão-me dizer que sou muito complicada. Olha que não, e vocês sabem disso. No que toca a papéis, ainda não reduzimos nada, é que primeiro estamos nós e só muito depois o Planeta. Ora vejam:
-Ai, meu amor, hoje o dia foi péssimo, é uma tristeza tamanha e nem sei dizer porquê. Só me apetece ver gente, gente, muita gente, para me abstrair desta dor que me tem atormentado todo o dia. Até já ponderei em sair um bocadinho, a ver se voltava mais alegre, ou então vou para a cama e não me levanto mais.
- Vai, isso passa, depois até voltas mais animada e quem sabe…
Ora isso é o que eu quero ouvir, mas disfarço muito bem, afinal a experiência dá calo. E sempre cabisbaixa, não vá distrair-me por instantes e ser apanhada em falso, num tom meio melodioso, meio melancólico, vou dizendo:
- Sei lá…tu achas que me fazia bem?- mas, já sem tempo para ouvir a resposta, avanço sub-repticiamente até à porta.
- Até logo, meu amor. Espera por mim.
É claro que não me esqueci de nada, foi tudo pensado e repensado ao milímetro. Até foram aqueles sapatos, os que me levam mais longe, que me tornam mais veloz e me ajudam no peso dos sacos. Não posso desequilibrar-me do alto de tanta opulência e cair estatelada no chão, já viram a vergonha. Até podia bater com a consciência e arranjar ali um hematoma insanável para o resto da vida.
Não lhes vou perguntar se já alguma vez fizeram isto, estamos a chegar ao verão e a tal pele começa a fazer calor, mas posso dar-lhes um conselho: não levem sapatos altos.

Maria da Fonte
todaela.uol.com.br

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Sonho














É o sonho
que me solta lá do fundo,
que me eleva ao pico surreal,
que me chama, que me acolhe
além do mundo, que me aquece
na chama universal.

É o sonho
que me leva, sem chegar,
que me abraça na força do seu grito,
que me traz a noite e a lua,
o sol e o mar,
que me beija no calor do infinito.

É ao sonho a quem me dou
nas noites frias,
com quem corro nas tardes de verão,
a quem ofereço o sorriso dos meus dias,
a quem segredo o meu amor,
em oração.

Maria da Fonte
docerefugio.blogs.sapo.pt

quarta-feira, 11 de abril de 2012

O meu povo

O meu povo,
Aninhado na vergonha
E na dor
Que, como a fome, prolifera,
Já não come,
Já não dorme,
Já não sonha,
Jaz prostrado à sombra
Doutra era.


E ao leme do meu país,
O comandante navega
Por entre um mar de gente,
Corta ondas de sangue,
Avança veloz,
Hasteia impaciente
A sua sorte,
Alardeia aos sete mares
A nossa morte.

No regresso da viagem,
Vem mais leve,
Traz a bordo a sombra
Da nação.
O povo, esfaimado,
Nada pede,
É submisso
À voz do capitão.

E se houvesse
No meu país uma outra voz,
Mais terrena,
Mais maciça,
Mais real,
Que plantasse em cada olhar
Uma vitória,
Que erguesse em cada punho
Portugal,
Que escrevesse em cada alma
Outra história?

Maria da Fonte
segredosdoaltar.blogspot.com

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Maratona


















Deixaram-me no início da meta e gritaram-me um «segue a maratona!». Convenci-me de que só correndo desenfreadamente poderia atingir o fim. Não senti o vento que me batia no rosto, não senti o solo que me impulsionava os passos, não ouvi os aplausos da plateia, corri, corri, corri, tal Forrest Gamp.
Já o cronógrafo marcava meia vida, quando a impaciência das articulações e o peso da consciência me fizeram curvar o olhar e abrandar o passo. O caminho, outrora perene, indómito e sinuoso, tornava-se agora mais fugaz que uma aragem, mais maleável que um sonho e mais leve que um desejo.
Era urgente tomar as rédeas aos dias, agarrar a fé do momento e deixar-me ir pelo sonho; depois, carregar no colo, cuidadosamente, alguns mimos e seguir o rasto de outros. Sim, o rasto de outros! Ou vocês não sabem que nem todos os sonhos se edificam? Alguns ficam-se apenas pelo projeto e nem por isso deixam de ter asas. Estivesse entre nós Sebastião da Gama e dir-vos-ia que nesta viagem o mais importante é a esperança naquilo que talvez nunca teremos. Digam-me lá se a ideia de agarrar um sonho não é muito mais fascinante do que a de o ter na mão. Pois, é neste espaço que medeia entre o querer e o ter que a corrida decorre, é aqui que cabe a cada um dos participantes depositar na balança estes dois princípios e traçar o destino. Quantas vezes atropelamos desesperadamente o querer só para agarrarmos o ter! Valerá a pena? Façam as vossas contas.

Maria da Fonte
wordsaboutit.wordpress.com