terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Partilha














O maquinista deu sinal, vai partir.
E tu perdido no rebuliço da cidade.
Há quantas horas te espero?
Vou subir, na certeza, porém,
De que, sem ti, a viagem perde a cor
E a agilidade.

Que bom!
Atrasado, mas chegaste.
Senta-te aqui. As palavras são pequenas,
A carruagem é de segunda, tu sabias,
Mas a paisagem não tem número, é sempre a mesma.

Olha, lá longe, a cor do horizonte,
Como se fosse o céu da tua rua.
E pode ser,
Tu sabes, pode ser…
A verdade é o sonho que flutua
No querer de quem sabe e de quem quer.

Despe as árvores, as pedras, os caminhos.
Apaga o mundo e pinta novamente.
Pode ser como queiras,
Pode ser…
Com outro céu, outra terra e outra gente.

Dá- me um lápis da cor da igualdade
E eu ajudo-te a pintar esta ilusão:
As viagens entre o sonho e a verdade,
Como se fossem as linhas da nossa mão.

Maria da Fonte
Ilustração de Robert Steele

sábado, 22 de dezembro de 2012

O fustigar uníssono de um adeus






O tempo, um copo,
a vida, um trago só.
Na mesa, os restos ressequidos de ansiedade,
na tua face, um cheiro intenso a pó,
na minha mão, a tua mão, esta saudade.




Na sala, um enorme corrupio de avanços
e recuos controversos.
À superfície dos sonhos vãos, imersos,
uma fenda de silêncio,
um cais, um rio.

À janela, um céu sem céu,
um só esperar,
uma lua estilhaçada, um doer surdo,
um golpe no silêncio, um soluçar,
uma noite colossal,
um olhar turvo.


E sobre nós esta partilha tão calada,
o amalgamar dos teus gestos nos meus,
as horas gastas, o copo vazio,
o nada,
o fustigar uníssono de um adeus.


Maria da Fonte
Imagem da Internet


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

É isso
















Veste-se de metonímia, sai à rua,
Persuadida do charme que ainda tem;
Em cada olhar, em cada boca tumultua.
Quem lhe resiste? Quem lhe resiste? Quem?

Imiscui-se entre a gente como o vento,
É quase um prodígio natural;
Surripia o dizer do pensamento
E sai-se sempre bem. É genial!

Com o tosco é mais solta, mais feliz,
Talvez até um pouco estouvada;
Uma espécie de tudo e de nada,
Bordão mágico do dizer de quem não diz.

Com o sábio é mais tímida, mais prudente,
Não ousa avançar sem um sinal;
Olha-o de soslaio, impertinente,
Por trás de uma pose doutrinal.

Esta figura tão prestável, tão galante,
Não é amiga, não é amante, não é gente;
É a COISA que nos sai a cada instante
Quando a palavra fica aquém de quem a sente.


Maria da Fonte
Imagem da Internet


domingo, 2 de dezembro de 2012

Recusa



















Não me peças para te revelar os meus encontros
Fortuitos com a poesia.
Há carícias tão íntimas que só os amantes dominam,
Instantes sagrados onde nem as ideias penetram,
Sonhos impermeáveis ao compasso das horas.

E se tu nunca questionaste os orgasmos que me contraem a carne,
O que te leva a desventrar – me as vibrações da alma?

Maria da Fonte
Imagem da internet