E os abutres chegam como balas
trespassando os cadáveres da desgraça.
Pousam em bandos nas margens da miséria,
fazem o cerco à fome que ali grassa.
Bicam os ossos da carne do outrora,
soltam as garras, afiam a arrogância.
Ingurgitados, num ápice, vão embora…
Tudo em nome da salvação (ou da ganância).
Sucedem-se uns aos outros como larvas,
a devorar os corpos putrefeitos.
Os movimentos dos vermes são perfeitos,
só as horas, infindáveis, são amargas.
E o vaivém dos abutres embala a dor
dos que se deixam comer tão facilmente.
Galardoam-se uns aos outros, solenemente,
e os mortos assistem, sem pudor.
Que noite pode ocultar tal ousadia?
Que dia pode lavar tanta ambição?
Que Terra pode girar sem haver dia?
Que gente pode morrer sem dizer NÃO?
Texto: Maria da Fonte
Imagem: birdstrikepirum.blogspot.com