quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Não














E os abutres chegam como balas
trespassando os cadáveres da desgraça.
Pousam em bandos nas margens da miséria,
fazem o cerco à fome que ali grassa.
Bicam os ossos da carne do outrora,
soltam as garras, afiam a arrogância.
Ingurgitados, num ápice, vão embora…
Tudo em nome da salvação (ou da ganância).


Sucedem-se uns aos outros como larvas,
a devorar os corpos putrefeitos.
Os movimentos dos vermes são perfeitos,
só as horas, infindáveis, são amargas.

E o vaivém dos abutres embala a dor
dos que se deixam comer tão facilmente.
Galardoam-se uns aos outros, solenemente,
e os mortos assistem, sem pudor.

Que noite pode ocultar tal ousadia?
Que dia pode lavar tanta ambição?
Que Terra pode girar sem haver dia?
Que gente pode morrer sem dizer NÃO?




Texto: Maria da Fonte
Imagem: birdstrikepirum.blogspot.com

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Nos meandros da loucura

















Dizem-me louca por desnudar a alma,
deambular por aí grandes monólogos.
E eu olho-os debaixo de mim, assim fugaz...
tão indiferente, tão distante, tão serena.
Manietada?! Não sei viver! Não sou capaz!
Antes ser louca, sim, mas ser plena!
Não posso! Não quero! Não sei ser só metade!
Só sei ser eu à margem do senão.
A insânia em constante erupção,
afrontando os preceitos da verdade.
E sei ter asas, ser quadrúpede, rastejante…
dilacerar os dias num instante,
sem talheres, etiquetas…pulcritude.
E o que é a razão, sem a plenitude?
Digam-me lá, detentores da certeza!
É ser bípede, comer a uma mesa…
Julgar-se, quem?! Dono da virtude?!

E vocês sabem lá o que há de mais certo!
Pois… a morte do idiota e do esperto.
Com uma grande diferença, é sabido:
o esperto só viveu a morte;
o idiota morreu por ter vivido.

Texto: Maria da Fonte
Imagem: Mark Freedom