sábado, 9 de junho de 2012

Quero ser político





Há dias em que os meus filhos me fazem sentir uma mãe tão desatenta, tão pequena… enfim, tão miserável. Não sei se convosco se passa o mesmo, mas, talvez para me sentir menos infeliz, quero acreditar que sim. Hoje mesmo, o meu filho mais novo colocou-me uma questão que me deixou cinco minutos boquiaberta. Depois, envergonhada, fechei a boca e fui esconder-me por baixo de uma mesa deplorável que tenho no centro da cozinha e que já não tem utilidade nenhuma, afinal para comer um papo-seco nem faz falta sentar, não vá esse descanso abrir-nos o apetite…
Mal dá o primeiro passo para pôr o pé em casa, reparo no seu mau humor, mas nem tenho tempo para lhe perguntar nada, já que ele, apressadamente e num tom carregado de desilusão e de raiva, se vira para mim e diz:
- Mãe, hoje estive com a psicóloga da minha escola para ela me ajudar a escolher a área que devo seguir. E sabes uma coisa? Não volto lá mais!
- Não voltas lá mais?!
- Não. Estou cansado de ouvir sempre a mesma coisa. Vem sempre com o blá-blá-blá dela e eu já não estou para a aturar. Já lhe disse que quero ser político, mas ela não me diz qual é a área que devo seguir e eu fico meio perdido no meio disto tudo.
Ora, digamos que esta convicção do meu filho me deixou excessivamente assombrada. Cheguei mesmo a duvidar da sua sanidade mental, a pensar que ele não entendia nada do que estava a dizer, e, pelo sim ou pelo não, perguntei-lhe:
- Por que razão queres tu ser essa coisa, se há tantas profissões bem mais interessantes do que isso?
- Só podes estar a gozar-me, mãe. Profissões melhores do que esta? Tu achas que esquartejar um homem, ouvir desaforos de alunos e pais malformados, sujeitar-me às queimaduras solares em cima de um obra ou até mesmo deixar em pó o meu cérebro, sentado num tribunal, a defender causas perdidas, é melhor do que ser político? Não, mãe! Estás muito enganada.
-Ó filho, tu não vês como eles são…- preparava-me para lhe dar mais uma das minhas lições de moral e, claro está, desancar naquela espécie de sanguessugas, quando ele, já um pouco irritado, me responde – bonitos como pavões, ostentando nas penas todas as pérolas preciosas que conheço; de pele luzente como estrelas, carregando com eles todas as praias e todos os sóis do mundo; nutridos como os leitões da Bairrada, de tantas sestas que tiram no parlamento…-Digo-lhes que, perante tantos argumentos, quase ficava convencida. Foi então que me surgiu a ideia de recorrer à literatura para me ajudar a sair daquele embaraço.
- Lembras-te de quando me pediste para te explicar «O Sermão de Santo António aos Peixes», aquele texto que saía num teste que ias fazer?
-Sim, sim, estou perfeitamente lembrado.
- Então, também queres encher a barriga à custa da pequenez e da fragilidade dos outros?
- És tão inocente, mãe. Essa conversa já é antiga e repete-se no tempo. Já agora, também te lembras de me explicar «Os Maias» e de me dizeres que Eça estava muito atento à corrupção política e social do seu tempo, ou até mesmo de me explicares alguns poemas mais contemporâneos e de me pedires para não confundir o autor com o sujeito poético? Tu lá sabias porquê…mas às tantas é porque já vias aqui um peixe grande disfarçado de pequeno.
- E tu queres ser um desses peixes astronómicos, queres que o teu corpo cresça à custa de inofensivos cardumes?
- São esses, mãe, os grandes, que nunca são capturados, ou melhor, às vezes até se chegam a eles, mas é só para lhes depositar uma medalha ao pescoço. Tu já viste, mãe, algum peixe pequeno a ser condecorado?
- Não te percas, filho. Concentra a tua atenção na dignidade das coisas pequenas, que só essas poderão fazer de ti grande.
- Quero ser político, mãe. A não ser que eles sejam depositados num aquário e aí, sim, eu posso escolher qualquer profissão do mundo, porque sei que o nosso mar estará em segurança.

Maria da Fonte

4 comentários:

  1. "Ganda puto"
    E acrecento: Grande mãe!
    Olha uma conversa um dia com a minha filha:
    -...as pessoas, filha, não gostam de ouvir coisas tristes...
    -..não, mãe, porque gostam de ser enganadas...

    Os "chips" Lita, agora são outros!
    Mas faremos sempre a nossa parte!
    Te admiro muito, já sabes.
    E...guarda estes textos. Depois falo...
    Terno abraço

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  2. Coincidência: há pouco estava digitando comentário no Reflexões Floridas, da Manu, "cliquei" no seu seu retratinho, cheguei no MAIS 1 POEMA, li uma formidável crônica (essa acima), venho cá comentar e me deparo, de novo, com a Manu.

    Quanto à escolha de profissão, é bom deixar o garoto ser Político, é importante que o quadro de políticos se renove. Quem sabe, teremos menos corruptos a médio ou longo prazo? Gostaria, de ter sido uma Política!

    Um abraço, Maria da fonte,
    da Lúcia

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  3. Vocação se respeita. Não é porque meia dúzia de gatos pingados se comporta mal que todos são iguais. Precisamos de bons políticos. Nunca tive esta vocação, mas aprecio todas as vocações. Um abraço, Yayá.

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  4. Esplêndido
    adj.
    1. Brilhante, deslumbrante, esplendoroso.
    2. Magnífico, sumptuoso.
    3. Grande, admirável.

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