Há dias em que os meus filhos me fazem sentir uma mãe tão desatenta, tão pequena… enfim, tão miserável. Não sei se convosco se passa o mesmo, mas, talvez para me sentir menos infeliz, quero acreditar que sim. Hoje mesmo, o meu filho mais novo colocou-me uma questão que me deixou cinco minutos boquiaberta. Depois, envergonhada, fechei a boca e fui esconder-me por baixo de uma mesa deplorável que tenho no centro da cozinha e que já não tem utilidade nenhuma, afinal para comer um papo-seco nem faz falta sentar, não vá esse descanso abrir-nos o apetite…
Mal dá o primeiro passo para pôr o pé em casa, reparo no seu mau humor, mas nem tenho tempo para lhe perguntar nada, já que ele, apressadamente e num tom carregado de desilusão e de raiva, se vira para mim e diz:
- Mãe, hoje estive com a psicóloga da minha escola para ela me ajudar a escolher a área que devo seguir. E sabes uma coisa? Não volto lá mais!
- Não voltas lá mais?!
- Não. Estou cansado de ouvir sempre a mesma coisa. Vem sempre com o blá-blá-blá dela e eu já não estou para a aturar. Já lhe disse que quero ser político, mas ela não me diz qual é a área que devo seguir e eu fico meio perdido no meio disto tudo.
Ora, digamos que esta convicção do meu filho me deixou excessivamente assombrada. Cheguei mesmo a duvidar da sua sanidade mental, a pensar que ele não entendia nada do que estava a dizer, e, pelo sim ou pelo não, perguntei-lhe:
- Por que razão queres tu ser essa coisa, se há tantas profissões bem mais interessantes do que isso?
- Só podes estar a gozar-me, mãe. Profissões melhores do que esta? Tu achas que esquartejar um homem, ouvir desaforos de alunos e pais malformados, sujeitar-me às queimaduras solares em cima de um obra ou até mesmo deixar em pó o meu cérebro, sentado num tribunal, a defender causas perdidas, é melhor do que ser político? Não, mãe! Estás muito enganada.
-Ó filho, tu não vês como eles são…- preparava-me para lhe dar mais uma das minhas lições de moral e, claro está, desancar naquela espécie de sanguessugas, quando ele, já um pouco irritado, me responde – bonitos como pavões, ostentando nas penas todas as pérolas preciosas que conheço; de pele luzente como estrelas, carregando com eles todas as praias e todos os sóis do mundo; nutridos como os leitões da Bairrada, de tantas sestas que tiram no parlamento…-Digo-lhes que, perante tantos argumentos, quase ficava convencida. Foi então que me surgiu a ideia de recorrer à literatura para me ajudar a sair daquele embaraço.
- Lembras-te de quando me pediste para te explicar «O Sermão de Santo António aos Peixes», aquele texto que saía num teste que ias fazer?
-Sim, sim, estou perfeitamente lembrado.
- Então, também queres encher a barriga à custa da pequenez e da fragilidade dos outros?
- És tão inocente, mãe. Essa conversa já é antiga e repete-se no tempo. Já agora, também te lembras de me explicar «Os Maias» e de me dizeres que Eça estava muito atento à corrupção política e social do seu tempo, ou até mesmo de me explicares alguns poemas mais contemporâneos e de me pedires para não confundir o autor com o sujeito poético? Tu lá sabias porquê…mas às tantas é porque já vias aqui um peixe grande disfarçado de pequeno.
- E tu queres ser um desses peixes astronómicos, queres que o teu corpo cresça à custa de inofensivos cardumes?
- São esses, mãe, os grandes, que nunca são capturados, ou melhor, às vezes até se chegam a eles, mas é só para lhes depositar uma medalha ao pescoço. Tu já viste, mãe, algum peixe pequeno a ser condecorado?
- Não te percas, filho. Concentra a tua atenção na dignidade das coisas pequenas, que só essas poderão fazer de ti grande.
- Quero ser político, mãe. A não ser que eles sejam depositados num aquário e aí, sim, eu posso escolher qualquer profissão do mundo, porque sei que o nosso mar estará em segurança.
Maria da Fonte